terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Redação final do novo CPC no Senado: vitórias e não vitórias

por Cristovam Pontes de Moura*

A redação final do texto do novo Código de Processo Civil aprovada pelo Senado Federal no apagar das luzes da atual legislatura - o projeto seguirá para revisão pela Câmara dos Deputados - poderia ser classificada como uma síntese das dificuldades enfrentadas pela Associação Nacional dos Procuradores de Estado - ANAPE em sua atuação no Congresso. A reforma na legislação processual - um verdadeiro monstrengo - exigiu todas as forças das entidades da Advocacia Pública, que tiveram que atuar em conjunto, propositiva e defensivamente, na defesa de nossas prerrogativas.

Para se ter uma ideia da tarefa hercúlea, o Projeto de Lei de Iniciativa do Senado (PLS) nº 166/2010 possuía mais de 200 emendas. Dentre elas, proposições favoráveis e contrárias aos interesses da Advocacia Pública.

Uma das principais demandas propositivas era a destinação direta dos honorários advocatícios aos Procuradores, o que, num primeiro momento, foi acatado pelo Relator do PLS. Posteriormente, por pressão de entidades ligadas a outras carreiras jurídicas, os membros da Comissão Especial substituíram a emenda, prevendo a destinação dos recursos a um fundo especial para aperfeiçoamento, a exemplo do que ocorre atualmente no Acre, com a instituição, desde 1999, do Fundo Orçamentário Especial da Procuradoria-Geral do Estado.

Ocorre que a medida paliativa repercutiu negativamente na carreira, visto que, em Estados como São Paulo e Minas Gerais, a composição remuneratória dos Procuradores é composta em sua maioria de honorários advocatícios. Se aprovada naqueles termos a proposta, os colegas de tais unidades seriam reduzidos a uma situação bastante precária.

O detalhe é que, nesse momento, os interesses da ANAPE e das entidades do Fórum da Advocacia Pública Federal, parceiro inestimável (assim como a Ordem dos Advogados do Brasil), eram aparentemente colidentes, visto que os honorários de sucumbência percebidos pelos membros da Advocacia-Geral da União atualmente vão para o Tesouro Federal e seria uma oportunidade para robustecer o orçamento da instituição. Mesmo assim, as entidades parceiras não ofereceram resistência para que a ANAPE atuasse para reverter a situação. O saldo final foi a manutenção do status quo.

Igualmente, não foi acolhida a proposição para que fossem dados poderes aos advogados públicos para reconhecer a procedência do pedido, celebrar acordo, renunciar a direito, deixar de propor ação ou de apresentar recurso, desistir de ação ou recurso já apresentado, bem como informar, na execução ou cumprimento de sentença, o valor correto do débito do órgão ou de entidade pública. O que seria um grande avanço para a eficiência e celeridade processual, foi rejeitado para atender a interesses dissociados do espírito que deveria nortear o novo Código.

Por outro lado, na atuação defensiva, o resultado foi bastante positivo, visto que as entidades da Advocacia Pública impediram, dentre outras, a inclusão de emenda que previa a capacidade postulatória de representação judicial às consultorias do Congresso Nacional e dos Legislativos Estaduais.

Embora de evidente inconstitucionalidade, tal dispositivo nos retiraria a exclusividade da representação judicial dos entes públicos, em todos os seus Poderes, viabilizando a criação de órgãos paralelos e interrompendo o crescimento da Advocacia Pública como instituição de Estado, Função Essencial à Justiça e desvinculada de qualquer dos Poderes estatais.

Ademais, vê-se no novo texto uma clara adequação ao quadro constitucional das Funções Essenciais à Justiça, trazendo-se sempre expressa menção à Advocacia Pública, inclusive com a criação de seção própria no capítulo "Dos Procuradores", o que, inclusive, é destacado pelo relator do projeto.

Na redação aprovada, a incumbência de representação judicial da União, Estados e Municípios, está expressamente direcionada à Advocacia Pública. Também ficou estabelecido que o membro das carreiras da Advocacia Pública apenas poderá ser responsabilizado civilmente, quando, no exercício de suas funções, agir com dolo ou fraude.

Finalmente, manteve-se o conteúdo do anteprojeto ao se dispor prerrogativa de prazo em dobro para todas as manifestações processuais da União, Estados, Distrito Federal, Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público, cuja contagem terá início a partir da vista pessoal dos autos.

Nesse dispositivo, apesar de se constatar uma extinção do prazo em quádruplo para contestar, previsto no art. 188 do atual Código, a contagem em dobro do lapso não se restringe à interposição de recursos, passando a abranger todas as manifestações dos Procuradores Públicos. Além disso, a nova Lei preconiza expressamente a intimação pessoal dos membros da Advocacia Pública.

Eis a razão do subtítulo: "vitórias e não vitórias". Mesmo atacados covardemente por outras entidades que certamente não têm interesse em uma Advocacia Pública forte e estruturada na defesa dos interesses públicos, que acreditam que o Estado deve servir apenas a seus interesses corporativos, vencemos as disputas na atuação defensiva, avançamos alguns degraus na seara propositiva e não perdemos, mas deixamos de vencer, por ora, noutras proposições. Sem retrocessos.

Confira a redação final do PLS no Senado no Site da ANAPE.

* Presidente da Associação dos Procuradores do Estado do Acre - APEAC, Vice-Presidente (Região Norte) da Associação Nacional dos Procuradores de Estado - ANAPE, Especialista em Direito Processual Civil e Direito Constitucional, Doutorando em Direito.

2 comentários:

Thalles disse...

Em certos momentos me pergunto se realmente um Novo Código de Processo Civil era necessário neste momento.

Nosso atual CPC já foi modificado por mais de 50 leis. O "Codex Buzaidiano", como usualmente falamos, já não mais existe.

De todo o modo, parabéns pela percuciente análise sobre as vitórias e não vitórias do CPC que bate à porta, eminente Procurador Cristovam.

Abraços!

Thalles Vinícius de Souza Sales
Acadêmico de Direito/UFAC

Diretoria disse...

Sua análise é bastante pertinente, Thalles. Sobretudo se pensarmos no que disse Fredie Didier Jr. quando esteve aqui no Acre: não há clamor popular para tanto (ao contrário do que ocorre com o arcaico CPP) e a comissão de juristas do anteprojeto do novo CPC não possuía um membro sequer do Norte/Nordeste, o que espelhava uma certa crise de legitimidade.

Felizmente, muitas das "armadilhas" do anteprojeto foram suprimidas no Senado. A principal delas diz respeito a um dispositivo que permitia a adequação das normas processuais pelo juiz. Na prática, isso levaria a que cada um conduzisse o processo como bem entendesse. No Senado, a previsão ficou reduzida às hipóteses de concessão de prazos e inversão do ônus da prova.

Obrigado por acompanhar nosso Blog e participar.

Feliz Natal!

Cristovam Pontes de Moura
Presidente da APEAC